
Durante o South Summit, em Porto Alegre, uma frase dita por Pablo Toledo, diretor de marketing da BYD Brasil, me pegou de jeito: “A BYD está mais pra Apple do que pra Volkswagen.” A provocação é potente, e em muitos aspectos, bastante coerente. Afinal, a BYD não quer ser apenas mais uma montadora. Ela quer ser um símbolo de inovação limpa, um ecossistema de tecnologia embarcada em mobilidade elétrica. Quer ocupar um espaço de desejo, como faz a Apple. Mas há uma diferença importante entre ambição e posicionamento. E é nessa diferença que encontrei um ruído.
Enquanto busca se estabelecer como uma marca aspiracional e tecnológica, a BYD ainda aposta em estratégias de comunicação que remetem a um modelo de publicidade que já não conversa com o público que ela parece querer atingir. O exemplo mais emblemático talvez seja a presença constante da marca em programas como o Domingão com Huck, com carros no palco, roteiros didáticos e o clássico “fala o nome da marca três vezes e sorri pra câmera”. É um tipo de inserção que lembra muito mais a lógica da Polishop do que a da Apple.
O palco e o contexto importam
E aqui, para deixar claro, não há demérito em Polishop. Trata-se de uma gigante da performance, com expertise em vender ao vivo, para um público amplo, em canais massivos. Mas o que a BYD pretende — ou diz pretender — é outra coisa. Branding aspiracional não nasce de exposição excessiva. Nasce de contexto, curadoria e repetição simbólica. A Apple não coloca o iPhone em um quadro de auditório. Coloca no bolso de criadores, líderes, artistas. A Apple não grita, insinua. Ela não precisa convencer — ela representa.
Esse é o ponto central. Não adianta mirar na Apple e acertar na Polishop. O público da nova economia — que vai comprar seu primeiro carro elétrico nos próximos anos — é mais exigente. Está no TikTok, no Discord, em comunidades digitais. Quer conexão, não apenas produto. Quer significado, não apenas potência. E vai preferir marcas que representem os valores que eles gostariam de ver no mundo. Mobilidade elétrica, nesse contexto, é só o começo. O que está em jogo é a história que a marca vai contar — e onde ela vai contar.
Sou um defensor convicto da brandformance. Acredito na potência da interseção entre branding e performance. Mas para que essa equação funcione, é preciso consistência. Performance sem posicionamento é só tráfego pago tentando comprar o que o branding não entregou. A Apple performa porque é desejada. E é desejada porque constrói. Sem atalhos. Sem ruídos. Sem dissonância.
E por mais que a BYD deseje ser vista como acessível, um ponto óbvio precisa ser dito: um carro de 110 mil reais não é um produto popular. É, sim, aspiracional. E marcas aspiracionais precisam jogar esse jogo com clareza, sob pena de se tornarem apenas mais uma. Porque no futuro, quando os carros elétricos baratearem e as opções forem muitas, o que vai pesar na escolha não será apenas o preço — será o símbolo. O que aquela marca representou, lá atrás. O que ela fez questão de construir — ou de improvisar.
A fala do Pablo foi provocadora. E gosto de marcas que se provocam. Mas gosto mais ainda quando essas marcas conseguem sustentar o que prometem. A BYD tem tudo para ser a Apple dos carros elétricos. Só precisa decidir se vai ser lembrada como referência… ou como mais uma entre tantas. Porque querer ser Apple no palco do South Summit e parecer Polishop no domingo à tarde é, no mínimo, uma contradição que precisa ser resolvida.
Marcelo Finkler. Publicitário, especialista em marketing, com trajetória construída entre estratégia, criatividade e inovação
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